A história dos 100 dias de Ana de Hollanda à frente da pasta do Ministério da Cultura do Brasil é absolutamente desastrosa. Os direitos divinos dados ao ECAD pela ministra mostram a adoção de um tipo particular de entender gestão pública de cultura. Um tipo bizantino, com substância autocrática capaz de destruir, em 100 dias, oito anos de avanços históricos do governo Lula nas gestões Gil/Juca.
Ana hoje é um pedregulho político na botina do governo, um encosto neoliberal do qual o PT e os partidos de esquerda da base do governo quer se livrar. E se Ana não tem poderes absolutos, ela se autodenomina assim, escorando-se na violência corporativa, que ela julga lhe dar o status de “Grau Máximo”. E aí, Ana toma suas decisões unilaterais se portando como uma entidade superior ao próprio poder majoritário do governo.
A definição clássica para esse tipo de gestão, Ecad/Ana é de uma “Monarquia Absoluta”. Então, Ana de Hollanda seguiu durante seu prefácio, em 100 linhas, uma série interminável de falsificações ideológicas e, consequentemente o MinC foi mergulhado num inferno de crises cotidianas por sua relação umbilical com a indústria cultural. Ana nesses 100 dias se lixou para a história social de nossa cultura apagando a luz da SID – Secretaria da Identidade e Diversidade para, logo em seguida bancar o “Boi na Linha” e, retirar o selo do CC – Creative Commons do site do MinC e o mergulhou numa autodestruição que certamente não trará louros políticos à presidenta Dilma.
As relações de Ana de Hollanda com os atravessadores da cultura escandalizam. Em apenas 100 dias ela suspendeu os pagamentos aos Pontos de Cultura, virou manchete negativa em 99% das matérias que analisaram sua gestão, pela tentativa de desarticulação da cultura digital e pelos clichês melodramáticos com que vem tratando a reforma da LDA, Lei dos Direitos Autorais.
Ana de Hollanda é a própria encarnação da operação desmanche de tudo o que foi construído pelo MinC de Lula e a sociedade num intenso e virtuoso debate nacional nos fóruns e conferências. Ana simplesmente passou o cerol em toda essa revolução. Quem seria capaz de um terremoto político como esse? Nem o PSDB e o DEM seriam tão audaciosos em suas ambições neoliberais. Mas Ana virou a prima-dona da corrente mais conservadora que move os negócios dos latifundiários da cultura e com isso estampa uma imagem sagrada para os coronéis da indústria neocon, o que equivale a uma Kátia Abreu da cultura.
Lógico que Ana pretende nos próximos 100 dias ganhar apoio para continuar a massacrar a cultura brasileira na sua base, se terá apoio político não sei, pois a dama de honra dos cult-capitalistas está vendo se agigantar dentro do PT, partido que lhe confiou a pasta da cultura e dos partidos de esquerda da base do governo, um tsunami que quer varrê-la do MinC.
Personalismo à parte, o comando do MinC atual é um saco de gatos onde a conta não fecha em nada. O balanço parcial do aniversário de 100 dias revela um descrédito do universo cultural brasileiro a uma retomada de direção. Para uma quase unanimidade o projeto da “Autocracia Ecad-Ana” é em uma ecatombe, um pesadelo para a comunidade cultural do Brasil e uma sarna política que a base de apoio do governo acha pior que pó de mico de tanta coceira.
O coreto político de Ana não tem banda
Seguindo um rito de especulações desde as primeiras horas de seu ambicioso semanário de guinchos e clichês, Ana aplaude a rejeição da indústria do entretenimento a milhares de músicos e compositores anônimos para a mídia e exige para esquema empresarial, que escolhas dos executivos das grandes corporações que dominam a indústria fonográfica e as grandes do mercado editorial, sejam as artes e letras oficiais das suas políticas.
Acontece que a indústria fonográfica comparada, por exemplo, com as bandas civis e militares e com as orquestras sinfônicas, emprega apenas um cisco, ou seja, na participação direta e constante de uma economia e geração de emprego a cultura-empresa que vem pautando a política de clube de Ana é um absoluto fiasco. Nessa hora, fica claro que o gato que dorme na tuba do novo MinC é parrudo e já fez ninho seguindo a política de grilagem estratégica do capitalismo cultural que quer se apossar das políticas de Estado.
Ansiosa em dar ao Ecad o poder de policia da repressão a quem desobedece aquilo que esta sendo determinado pela indústria multinacional do entretenimento Ana se transformou rapidamente (e isso pegou na hora) em “A ministra do Ecad”. E, pelo visto, a recíproca é verdadeira, pois os ataques pesados da advogada Gloria Braga em texto dirigido a mim, a representante do Ecad não se faz de rogada em defender a ministra e misturar a historia atual do MinC com o cenário de guerra do escritório de arrecadação privado, o magnânimo Ecad.
Acontece também que a Ministra tem plena consciência de que milhares de músicos de orquestras e de bandas jamais receberam um centavo de direitos conexos que o Ecad também arrecada na sua andarilhagem à caça de níqueis em espaços públicos e privados.
O autismo tático da ministra Ana vem da teoria do medalhão
Ao contrário do que se diz por aí, Ana de Hollanda dá passos firmes e duros rumo ao seu projeto de consolidar a hegemonia dos executivos da indústria cultural. Como sugeriu Caetano, Ana está defendendo os fortes contra os fracos. Mais posuda que o maestro da OSB que já é chamado de Roberto MinC-zuk, em homenagem às tiradas absolutistas da ministra, ela colore sua agenda com encontros com as autoridades máximas da indústria do entretenimento, mas todas as vezes que fala com a imprensa ou diante dos parlamentares sobre o abandono das políticas públicas que marcaram o governo Lula como o programa Cultura Viva,cultura digital Ana veste o seu virginal e estupefante costume de autista para sair à francesa de questões espinhosas sobre as quais ela não tem explicação. A Ministra em seu tático autismo aplica a máxima do conto “Teoria do Medalhão” de Machado de Assis.
Um discurso de metafísica política apaixona naturalmente os
partidos e o público, chama os apartes e as respostas. E depois não
obriga a pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo
está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes
da memória. Em todo caso, não transcenda nunca os limites de uma
invejável vulgaridade. (Machado de Assis – Teoria do Medalhão).
A Geleia geral dos 100 dias de Ana de Hollanda
O fato é que Ana já não consegue mais esconder que não pretende criar qualquer secretaria da economia criativa, o que ela pretende é oficializar o monopólio do Ecad, o dumping das multinacionais, além das grandes editoras. Ou seja, Ana quer dar coroa e trono à velha indústria da música e das letras, mais nada.
Ela sabe que não tem como criar um sistema. O Estado não tem como honrar essa expectativa. E Ana de Hollanda sempre soube disso. O que ela quer é garantir cada vez mais lucros aos grupos empresariais dos negócios da cultura, onde quanto menos produzem, mais arrecadam e lucram. E o mercado da internet é o grande sonho monopolista que eles têm, MinC, Ecad, gravadoras multinacionais e editoras por isso a retirada do CC do site do MinC.
Como eu já disse, essa tática de Ana fere de morte o Banda Larga que é o projeto majoritário do governo Dilma para universalização da educação e da cultura do Brasil. Indiscutivelmente Ana de todos os governos anteriores, não só o de agora, é a ministra mais rejeitada, criticada da história recente da política brasileira. Se pegarmos o período da redemocratização, nenhum ministro de estado conseguiu produzir em 100 dias um monumento de crise como o que Ana está conseguindo agora, um feito inédito.
O Correio Braziliense trouxe em destaque que o Planalto mandou um aviso de que o Ministério de Ana precisa sair desse estado de crise. Na mesma matéria, Antonio Grassi diz que os ataques à gestão de Ana são mais radicais do que foram no início do governo Lula e da gestão Gil. O que Grassi não diz é que aquele levante dos medalhões no Canecão, sobretudo do cinema e da TV Globo, foi protagonizado por quem agora não só se derrete em elogios a Ana de Hollanda, como se dispõe a cumprir também o papel de meninos de recado e de ir aos jornais de grande circulação, seguindo o script de vitimização da Ministra, um melodrama patético na tentativa de salvar a imagem de uma ministra que hoje é praticamente uma unanimidade negativa para a sociedade brasileira.
A tática de usar como escudo humano compositores pobres para enfeitar os interesses do Ecad é mais do que um insulto à nossa inteligência, principalmente no meu caso que sou músico e conheço muito bem o problema por dentro. Isso é sórdido com esses criadores e com a sociedade, porque justamente os dois são as maiores vítimas de um escritório de arrecadação privado que Ana, em sua fundamentalista defesa acionou todas as turbinas políticas do MinC para fazer os lucros do Ecad irem à órbita.
Esses criadores que a Ministra usa como bucha de canhão em todos os seus pronunciamentos, são vítimas não da arrecadação milionária do Ecad, mas da distribuição, pois, vitimados pela principal arrecadação que funciona através de um boleto enviado pelo Ecad aos mensalistas – como o próprio Ecad denomina. Essa espécie de conta de luz não discrimina quais autores estão sendo contemplados em cada um dos milhares de recintos Brasil afora que recebem o boleto. Não sabendo quais músicas foram executadas tanto ao vivo, quanto em rádios ou em CDs nesses recintos, casas de show, restaurantes, consultórios, lojas com música ambiente, em lugares públicos ou privados, o que determina o rateio é a velha prática do jabá das rádios que é usado como mensurador dos artistas que mais tocam.
Portanto, toda a arrecadação é dividida entre o seleto grupo de medalhões brasileiros e estrangeiros da indústria fonográfica. Isso somado à arrecadação de quem controla o Ecad, (as multinacionais) o bolão vai para o exterior. Por isso os criadores brasileiros que estão fora da indústria os quais Ana usa em seu jogo de espelho são e ficarão cada vez mais pobres, até porque a Ministra acha um absurdo o Estado fiscalizar este que é o único órgão privado que se coloca como um ente paraestatal para aplicar multas e ingerir nas relações contratuais entre musicos e contratantes, além de não ser regulado por absolutamente ninguém.
Daí chega-se à conclusão de que a Ministra usa certo requinte de crueldade quando pega a vítima principal desse processo, o criador marginalizado pela indústria que controla o Ecad, e o expõe publicamente como aliado de suas manobras celebralistas.
Tenho a curiosidade de saber por que Ana de Hollanda não fala desse boleto em branco emitido pelo Ecad que traz somente o valor da fatura? Não se ouve qualquer declaração da Ministra sobre esse absurdo, então, o que ela faz? Faz boca de siri e joga a culpa na sociedade como se fôssemos uma sociedade pirata. Esta é uma das táticas mais absurdas usadas para defender os ganhos do Ecad.
É muito difícil prever um futuro de bonanças para um ministério que investe pesado em raios e trovões em prejuízo à sociedade brasileira no mesmo momento em que oferece seus quadros como abrigos seguros à indústria em suas manobras para engessar o povo brasileiro e sua multiculturalidade.
Sinceramente eu não acredito que Ana se sustente no cargo por muito tempo. Sob ponto de vista meramente administrativo em que as decisões se dão apenas na questão administrativa, Ana já teria sido convidada a enfiar a viola no saco e sair de campo. Mas também como está cada vez mais isolada politicamente tendo como principal opositor à sua gestão o partido que lhe confiou a pasta, o PT, Ana está pendurada por algum fio invisível. Resta saber qual a sua espessura e resistência dele para segurar o repuxo de uma gestão que está a cada dia pesando mais e negativamente contra o governo Dilma que é, no contexto geral a continuidade do governo Lula, como muito bem explica Emir Sader em seu artigo Dilma como sucessora de Lula.
Carlos Henrique Machado Freitas
http://www.myspace.com/carloshenriquemachado
Fonte: Cultura e Mercado
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